O Banco de Portugal identifica a habitação como um dos principais desafios económicos e sociais do país, alertando para desequilíbrios persistentes entre oferta e procura.
No Boletim Económico de dezembro de 2025, a instituição dedica uma análise detalhada à evolução do mercado habitacional, sublinhando que a escassez de casas resulta de uma combinação de tendências demográficas, económicas e institucionais.
Os preços da habitação continuam elevados face aos rendimentos das famílias, apesar de algum abrandamento no ritmo de crescimento. Esta realidade limita o acesso à compra e ao arrendamento, sobretudo para jovens, famílias de rendimentos médios e novos residentes.
Aumento do número de famílias agrava pressão no mercado
Um dos fatores centrais identificados é o aumento do número de famílias em Portugal. Nas últimas décadas, a dimensão média dos agregados familiares diminuiu, o que significa que são necessárias mais casas para acomodar a população existente.
Entre 2011 e 2021, o número de famílias cresceu mais rapidamente do que o número de alojamentos disponíveis. A partir de 2021, este desfasamento tornou se ainda mais acentuado, com a criação de milhares de novas famílias por ano sem uma resposta equivalente do lado da oferta.
Este fenómeno tem impacto direto na procura por habitação permanente, sobretudo em áreas urbanas onde a oferta é mais limitada e a pressão sobre os preços é maior.
Imigração intensifica a procura por habitação
A análise sublinha também o papel da imigração no agravamento da escassez de casas. Nos últimos anos, Portugal registou um aumento significativo da entrada líquida de imigrantes, muitos dos quais se concentram nas grandes cidades e zonas com maior dinamismo económico.
Esta evolução contribui para o crescimento da população residente e reforça a procura por habitação, tanto no mercado de arrendamento como no de compra.
A autoridade monetária destaca que este aumento da procura não foi acompanhado por um crescimento proporcional da construção.
Embora a imigração tenha um impacto positivo na economia e no mercado de trabalho, sem reforço da oferta habitacional este fator tende a agravar os problemas de acessibilidade.
Construção insuficiente limita resposta do mercado
Outro ponto central da análise é a insuficiência da oferta de habitação nova. O ritmo de construção em Portugal tem sido baixo face às necessidades do país, sobretudo após a crise financeira e o período de ajustamento económico.
A recuperação da construção tem sido gradual e desigual entre regiões. Nos centros urbanos, onde a procura é mais intensa, a resposta da oferta continua limitada por custos elevados, falta de mão de obra e processos administrativos demorados.
Esta rigidez da oferta no curto prazo contribui para a manutenção de preços elevados e reduz a capacidade de ajustamento do mercado.
Casas vazias não resolvem o problema
Apesar da escassez de habitação, continuam a existir milhares de casas vazias em Portugal. Dados analisados indicam que estas habitações não estão, na maioria dos casos, disponíveis para o mercado.
Entre os principais motivos estão processos de herança por resolver, necessidade de obras de reabilitação e decisões dos proprietários em manter os imóveis fora do mercado. A valorização do imobiliário reduz o incentivo à venda ou ao arrendamento imediato.
Esta oferta inativa não contribui para aliviar a pressão sobre os preços nem melhora a acessibilidade.
Impacto no acesso à habitação e no crédito
A conjugação entre preços elevados e oferta limitada tem impacto direto no acesso à habitação. Mesmo com alguma normalização das condições financeiras, o esforço necessário para comprar casa continua elevado para muitas famílias.
O acesso ao crédito habitação permanece condicionado por rendimentos, estabilidade laboral e critérios prudenciais. Para novos compradores, sobretudo jovens e imigrantes, a entrada no mercado imobiliário continua difícil.
Um desafio estrutural de médio e longo prazo
A entidade supervisora conclui que a crise da habitação em Portugal tem natureza estrutural. O aumento do número de famílias, o crescimento da imigração, a lentidão da construção e a existência de casas vazias fora do mercado formam um conjunto de fatores que se reforçam mutuamente.
Para melhorar a acessibilidade à habitação, defende-se a adoção de políticas que aumentem a oferta efetiva, promovam a construção e reabilitação e incentivem a mobilização do parque habitacional existente.
Sem mudanças estruturais, as dificuldades no acesso à habitação deverão manter-se nos próximos anos, com impacto no custo de vida, na mobilidade laboral e na coesão social.